Harmonizar vinho com comida é um dos princípios mais importantes para qualquer enófilo, mas esta ainda é uma questão pouco compreendida no Brasil. Muita gente sequer pensa no assunto, apanhando a primeira garrafa que tem pela frente para acompanhar qualquer prato que esteja à mesa. O mais longe que muitos chegam é repetir alguma regrinha básica -- algo do tipo "peixe tem que ser com vinho branco" -- como se fosse uma lei divina.
O Tertuliano fez uma crítica muito pertinente. Ele se disse frustrado porque "para quem está começando, desejando aprender a apreciar vinhos, sem se tornar um sommelier (...) as dicas não ajudam muito". E sugere: "Em se tratando de harmonização, que tal algo como, a partir das uvas ou das regiões vinícolas, dizer quais as combinações que oferecem os menores riscos de erro, tendo como referência pratos básicos (...) me interessa saber, para começar, o que buscar numa loja ao se servir um determinado prato." Está certo. Meu exemplo do Barolo Bruno Giacosa 1982 com coelho à caçadora e risoto com trufas não é exatamente o que a maioria das pessoas tem na mesma todos os dias. Aceito a crítica. Só que a quantidade de tipos de vinho e de comida é quase infinita, por isso em meu texto procurei colocar algumas regras genéricas ao invés de dizer que o vinho X deve ir com a comida Y. É melhor explicar quais os critérios gerais para harmonizar do que apenas citar exemplos pontuais. Em todo o caso, acho que o leitor tem razão e pode ser útil falar de algumas harmonizações simples com os tipos de vinho mais comuns que encontramos nas prateleiras brasileiras. Lá vai:
Cabernet Sauvignon: gera vinhos encorpados, sérios, com taninos presentes. Os grandes exemplares acompanham caças; os mais simples, como o bom Casillero del Diablo, podem ser servidos com carnes variadas e massas de molho forte. Até com um cordeirinho vai. Merlot: mais redonda e macia, proporciona vinhos com taninos menos pronunciados. Os exemplares simples são ótimos para risotos, massas e pizzas. Syrah: geralmente vinhos muito encorpados e com um toque de especiarias. Sugiro acompanhar comidas fortes, como um ossobuco. Pinot Noir: na Borgonha gera vinhos únicos, mas a Borgonha é um caso à parte. No geral, são vinhos mais delicados e leves. Bons Pinot Noir do Novo Mundo podem escoltar massas de molhos leves, frango, bacalhau, salmão ou atum. Malbec: na Argentina, como os argentinos... vá de churrasco e carnes em geral. Carmenere: essa uva francesa adotada como ícone do Chile tem aromas herbáceos que casam bem com pratos que levam pimentão e coentro. Os exemplares mais elegantes podem acompanhar comidas com molho pesto. Chardonnay: a rainha das uvas brancas, gera vinhos com aromas amanteigados quando passa por carvalho. Ideal para acompanhar frango, peixes com molho de manteiga ou molhos brancos, massas com fruto do mar (um macarrão com vongole...) e bacalhau. Sauvignon Blanc: uma uva branca mais delicada e com acidez viva, muito boa para acompanhar mariscos. Faz belo casamento com queijo de cabra também. Importante: essas são observações gerais. Na prática, é preciso saber como cada vinho é feito, pois uma mesma uva gera produtos muito diferentes dependendo de sua região de origem e da mão do enólogo. Há Malbecs encorpados e outros elegantes, há Chardonnays mais minerais e delicados e outros frutados e amanteigados, há alguns Cabernet Sauvignon que passam dois anos em barris de carvalho e outros que são engarrafados sem passar por madeira alguma.
Por fim, o leitor José Henrique diz que ficou decepcionado ao ler a matéria. "Você sugere um Barolo Falletto Bruno Giacosa 1982 para acompanhar um coelho?!?! Desculpe, mas com um vinho desses não precisa ser especialista para saber combinar vinho + prato!!! Este vinho fala por si!!" Desculpe, José Henrique, mas discordo. Quanto melhor o vinho, mais cuidadosa deve ser sua harmonização. Ninguém quebra a cabeça para harmonizar um Malbec argentino de 10 reais, por exemplo. Mas com um vinhão como o Barolo Falletto Bruno Giacosa vale a pena um cuidado extra. Um prato agridoce, uma comida forte ou gordurosa demais, uma receita com muitos condimentos e pimenta... e adeus, Barolo. Imagine que desperdício beber uma jóia dessas sem sentir o gosto direito. Por outro lado, um prato inocente qualquer -- seja um frango, uma massa simples, um filé mignon sem muitos temperos -- vai deixar o Barolo se impor. Tudo bem, o vinho é ótimo e você terá muito prazer, sem dúvida. Pode até tomar este Barolo apenas com pão. Quem vai reclamar? Só tem um probleminha: isso não é harmonização. Harmonizar é fazer um casamento, é conseguir que o vinho e a comida se completem. Um melhora o outro e nenhum se sobrepõe. Sente-se o vinho e sente-se a comida. Quanto mais complexo o vinho, mais desafiador achar uma harmonização à altura.
Agradeço também aos outros leitores que deixaram comentários. Espero que este diálogo continue.
Cabernet Sauvignon: gera vinhos encorpados, sérios, com taninos presentes. Os grandes exemplares acompanham caças; os mais simples, como o bom Casillero del Diablo, podem ser servidos com carnes variadas e massas de molho forte. Até com um cordeirinho vai. Merlot: mais redonda e macia, proporciona vinhos com taninos menos pronunciados. Os exemplares simples são ótimos para risotos, massas e pizzas. Syrah: geralmente vinhos muito encorpados e com um toque de especiarias. Sugiro acompanhar comidas fortes, como um ossobuco. Pinot Noir: na Borgonha gera vinhos únicos, mas a Borgonha é um caso à parte. No geral, são vinhos mais delicados e leves. Bons Pinot Noir do Novo Mundo podem escoltar massas de molhos leves, frango, bacalhau, salmão ou atum. Malbec: na Argentina, como os argentinos... vá de churrasco e carnes em geral. Carmenere: essa uva francesa adotada como ícone do Chile tem aromas herbáceos que casam bem com pratos que levam pimentão e coentro. Os exemplares mais elegantes podem acompanhar comidas com molho pesto. Chardonnay: a rainha das uvas brancas, gera vinhos com aromas amanteigados quando passa por carvalho. Ideal para acompanhar frango, peixes com molho de manteiga ou molhos brancos, massas com fruto do mar (um macarrão com vongole...) e bacalhau. Sauvignon Blanc: uma uva branca mais delicada e com acidez viva, muito boa para acompanhar mariscos. Faz belo casamento com queijo de cabra também. Importante: essas são observações gerais. Na prática, é preciso saber como cada vinho é feito, pois uma mesma uva gera produtos muito diferentes dependendo de sua região de origem e da mão do enólogo. Há Malbecs encorpados e outros elegantes, há Chardonnays mais minerais e delicados e outros frutados e amanteigados, há alguns Cabernet Sauvignon que passam dois anos em barris de carvalho e outros que são engarrafados sem passar por madeira alguma.
Por fim, o leitor José Henrique diz que ficou decepcionado ao ler a matéria. "Você sugere um Barolo Falletto Bruno Giacosa 1982 para acompanhar um coelho?!?! Desculpe, mas com um vinho desses não precisa ser especialista para saber combinar vinho + prato!!! Este vinho fala por si!!" Desculpe, José Henrique, mas discordo. Quanto melhor o vinho, mais cuidadosa deve ser sua harmonização. Ninguém quebra a cabeça para harmonizar um Malbec argentino de 10 reais, por exemplo. Mas com um vinhão como o Barolo Falletto Bruno Giacosa vale a pena um cuidado extra. Um prato agridoce, uma comida forte ou gordurosa demais, uma receita com muitos condimentos e pimenta... e adeus, Barolo. Imagine que desperdício beber uma jóia dessas sem sentir o gosto direito. Por outro lado, um prato inocente qualquer -- seja um frango, uma massa simples, um filé mignon sem muitos temperos -- vai deixar o Barolo se impor. Tudo bem, o vinho é ótimo e você terá muito prazer, sem dúvida. Pode até tomar este Barolo apenas com pão. Quem vai reclamar? Só tem um probleminha: isso não é harmonização. Harmonizar é fazer um casamento, é conseguir que o vinho e a comida se completem. Um melhora o outro e nenhum se sobrepõe. Sente-se o vinho e sente-se a comida. Quanto mais complexo o vinho, mais desafiador achar uma harmonização à altura.
Agradeço também aos outros leitores que deixaram comentários. Espero que este diálogo continue.
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